sexta-feira, 30 de setembro de 2011

UMA INTRODUÇÃO À MODERNIDADE


  1. Introdução
A modernidade, segundo Berman (2005, p. 15), reflete um ambiente “que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos”. Dentro dessa visão, a modernidade aparece como algo avassalador, que chega como um turbilhão modificando tudo a nossa volta, dando outro ritmo às coisas, criando e ao mesmo tempo destruindo tudo a nossa volta, numa constante mudança, numa mutação permanente.
Canclini, por sua vez, ao analisar a modernidade na América Latina, em seu livro Culturas híbridas, não a vê sob a ótica de um furacão arrasador que cria e destrói, para novamente criar o novo, mas sim sob a ótica da coexistência entre o tradicional e o moderno.
O autor trabalha a partir de três hipóteses que tem como premissa a idéia de uma formação cultural híbrida no continente. Sua primeira hipótese é de que a “incerteza em relação ao sentido e ao valor da modernidade deriva não apenas do que separa nações, etnias e classes, mas também dos cruzamentos socioculturais em que o tradicional e o moderno se misturam” (CANCLINI, p.18). É sob essa ótica que o autor analisa a hibridação cultural, a mistura de culturas que acontece não de forma sintética, mas de forma dialógica, conjugando os elementos distintos e traduzindo-os em algo novo.
Outra hipótese importante é a da necessidade de se conceber um novo olhar para a modernização latino-americana, haja vista a heterogeneidade multitemporal específica de cada localidade, o que exclui a idéia de uma modernização substitutiva, ou seja, de “uma força alheia e dominadora que operaria por substituição do tradicional e do típico” (GARCIA CANCLINI, p. 19). E, frente a essas duas questões, o autor acredita na hipótese de que se alterarmos a forma de olhar a modernidade latino-americana, teríamos respostas que iriam além das questões culturais, possibilitando-nos o entendimento também de processos políticos ou econômicos, por exemplo.
Canclini, portanto, combate a ideia de uma modernidade deficiente na América Latina e a entende sob uma concepção mais complexa de articulação entre as tradições e as modernidades. Ele percebe o continente como algo “heterogêneo, formado por países onde, em cada um, coexistem múltiplas lógicas de desenvolvimento” (GARCIA CANCLINI, p.28).
  1. Culturas híbridas
“A América nasce sob o signo da modernidade, das descobertas, dos elementos de sentido em expansão, dos dados de um mundo (‘o velho’) que necessitava expandir-se e encontrava nos ‘novos’ mundos seu território onde os signos econômicos, imaginários e culturais poderiam expandir-se e gerar um retorno. (...) A América foi um grande desaguadouro para esses signos europeus e um solucionador econômico: as grandes navegações tentavam reconstruir um território de signos que já estavam implícitos na cultura européia desde os tempos de Homero e foram magistralmente explorados e desenvolvidos tecnologicamente, por exemplo, pela Escola de Sagres” (MORAES, 2002. p.23)

O trecho de Moraes, acima destacado, nos revela algumas similaridades com a ideia exposta por Canclini em Culturas hibridas.
O autor afirma que a América teria nascido “sob o signo da modernidade”, entendendo que a Europa vivia um momento em que os elementos estavam em “expansão”. Tal afirmativa se enquadra na descrição de dois, dos quatro movimentos que constituem a modernidade segundo Canclini (p.31).
No caso acima descrito, podemos entender que a Europa estava em um momento emancipador, com a “secularização dos campos culturais, a produção auto-expressiva e auto-regulada das práticas simbólicas e seu desenvolvimento em mercados autônomos” (GARCIA CANCLINI, p. 31). Tal afirmativa fica clara quando entendemos a revolução tecnológica pela qual passavam os europeus e que propiciaram essa fase das grandes descobertas. Esse momento atendeu também ao projeto expansionista da modernidade, que, segundo Canclini (p.31) estaria “motivada preferencialmente pelo incremento do lucro”. Dessa forma, percebemos que Moraes acerta ao entender a descoberta e a exploração das terras americanas como fruto da modernidade européia.
Moraes afirma também que a América teria sido um “desaguadouro para esses signos europeus”, de forma que eles tentavam “reconstruir um território de signos que já estavam implícitos na cultura européia”. No entanto, a brevidade do texto não permite saber se o autor acredita que esses signos tenham sido absorvidos tal qual foram impostos ou se teria havido uma hibridação, uma ressignificação, conforme a tese de Canclini.   
Essa hibridação seria importante para entender a própria modernidade no continente americano, haja vista que, no geral, considera-se que na América latina, apesar da exuberância do modernismo, haveria uma deficiência quanto à modernização (GARCIA CANCLINI, p. 67). O autor entende que o problema dessa análise é a forma como a modernização americana é entendida, sempre em comparação com a européia, e não sob os seus aspectos particulares característicos de um continente onde prevaleceu a heterogeneidade multitemporal, ou seja, a coexistência entre o tradicional e o moderno.
Canclini (p. 69) afirma que “os desajustes entre modernismo e modernização são úteis às classes dominantes para preservar sua hegemonia, e às vezes para não ter que se preocupar em justificá-la, para serem simplesmente classes dominantes”.
Esses signos europeus, portanto, ao entrarem no continente teriam sido traduzidos e reformulados, ou ressignificados, gerando uma cultura própria, única, na qual essa heterogeneidade multitemporal funcionaria perfeitamente bem, servindo aos interesses diversos que surgiam, em especial pelas classes dominantes que se encarregariam dessa interseção das múltiplas temporalidades, ora aproveitando os benefícios da modernidade, ora aproveitando as questões particulares da realidade local.

  1. Conclusão
A produção cultural hibrida, portanto, foi característica importante na América latina. Seu entendimento propicia uma ótica diferente para a análise da modernidade no continente, que, ao contrário do que afirma Perry Anderson (GARCIA CANCLINI, p. 71), não seria “um eco tardio e deficiente dos países centrais”.
Moraes parece entender a américa como “desaguadouro para os signos europeus”, mas nesse trecho não fica clara sua idéia quanto ao que acontece a esses mesmos signos quando entram em choque com os signos já existentes na América.
É importante compreender também, que mesmo que o continente já tenha nascido “sob o signo da modernidade”, como afirma Moraes, apesar do ato das descobertas e suas causas remontarem ao processo de modernidade vivido pela Europa, os signos que são desaguados no continente são ainda extremamente tradicionais, o que demonstra que nenhuma cultura é realmente pura, vivendo em constante atrito (ou coexistindo) o tradicional e o moderno. Ou seja, a heterogeneidade multitemporal analisada por Canclini é parte integrante de todas as culturas no mundo, não somente a americana, pois estão sempre em jogo signos tradicionais frente aos signos modernos, sendo a todo momento traduzidos e ressignificados, numa hibridação cultural permanente.

  1. Bibliografia

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. 2ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 15

GARCIA CANCLINI, Nestor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000. p. 17- 97

MORAES, Alexandre. O outro lado do hábito: modernidade e sujeito. Vitória: EDUFES, 2002. p. 23

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